domingo, 10 de maio de 2020

Resenha do livro Minhas duas meninas, de Teté Ribeiro

 

RIBEIRO, Teté. Minhas duas meninas. 1a. ed. São Paulo. Companhia das Letras, 2016. 172 p.



Teté Ribeiro nasceu em 1970, em São Paulo, onde vive com o seu marido e as filhas gêmeas Rita e Cecília. Formada em Filosofia pela Universidade de São Paulo e trabalha como jornalista na Folha de São Paulo. Além de Minhas duas meninas, escreveu outros três livros de não ficção, entre eles Divas abandonadas. 

Minhas duas meninas trata-se do relato da experiência da jornalista, que tomou a decisão de ter filhos através de uma barriga de aluguel na Índia, após várias tentativas frustradas para engravidar. O livro está dividido em 12 capítulos e traz algumas imagens dela com o marido Sérgio e as meninas, bem como da família da barriga de aluguel e da casa das grávidas.
 

A autora começa contando sobre a sua saga e a expectativa para chegar na clínica da Dra. Nayana Patel, que fica localizada na cidade de Anand, importante região leiteira e que tem várias universidades, mas, nos últimos anos, tornou-se mais conhecida por causa das clínicas de fertilização humana. Além disso, traz várias curiosidades sobre a vida e a cultura na Índia, como, por exemplo, o de que os obstetras de lá são legalmente impedidos de revelar o sexo dos bebês durante a gravidez - sob o risco de perderem suas licenças médicas- pois é comum o aborto de meninas, sobretudo nas classes mais baixas, por conta da existência, ainda que ilegal, do tradicional dote. Outra curiosidade é a cultura do segredo sobre a tão desejada gravidez nos primeiros meses, período em que o risco de perder o bebê é maior, como se falar pudesse prejudicar o feto.

No decorrer dessa longa reportagem, a jornalista lembra das suas tentativas de tratamento para engravidar e, até mesmo, a candidatura ao burocrático processo de adoção, da qual ela desistiu em razão da confirmação de que o procedimento de barriga de aluguel havia sido bem sucedido. Também descreve como funciona a clínica onde foi realizado o procedimento, o acompanhamento da gravidez através de email e aborda várias de suas implicações, sobretudo no que diz respeito à situação das mulheres indianas que se dispõem ao chamado método de "útero de substituição". Relata sobre o período de adaptação hospedados em hotéis, as pessoas que conheceu lá e que foram importantes durante todo o processo até a partida com a sua nova família.      
Teté Ribeiro com as gêmeas, o marido
Sérgio, a barriga de aluguel Vanita,
seu marido Sandip e o filho Aarav.

A leitura é simples, por apresentar uma linguagem acessível, e também impactante, pois provoca o debate acerca de muitas questões polêmicas. Por mais que evitemos fazer julgamentos acerca da escolha por este serviço, tanto sobre os contratantes quanto os contratados, é necessária uma profunda reflexão sobre as suas implicações, seja de ordem material, ética e legal, seja de ordem psicológica e emocional aos envolvidos. 

É um livro recomendado não apenas para quem tem interesse em temas como a maternidade e a barriga de aluguel, mas também para quem quer conhecer mais sobre a cultura de um país tão exótico e, particularmente, sobre a situação das mulheres indianas  e sobre os dilemas daquelas que são capazes de ultrapassar oceanos e preconceitos na esperança de realizarem o sonho de se tornarem mães. Destacamos alguns trechos que ilustram as dúvidas e as expectativas da autora: 

"Depois da morte da minha mãe, fiquei com a sensação de que toda a humanidade tinha se tornado um pouco mais vulgar, como se a ausência dela diminuísse algum índice universal de interesse das pessoas todas. Agora, andando em direção ao encontro de minhas filhas, eu me perguntava se ia saber ser mãe sem ter mãe. Não tinha nem a mais remota ideia de por onde começar." (p. 11-12)

"Sem ter vivido a gravidez, queria ter alguma experiência da barriga, mesmo que não fosse a minha. E não perder nenhum minuto do parto, do nascimento, queria ver as carinhas deles antes de todo mundo, ser o primeiro colo, dar a primeira mamadeira. Meu plano era ocupar meu território como mãe desde o início." (p. 17)  

"Ter um bebê é uma ideia que passa pela cabeça de quase toda mulher. Com mais ou menos vontade, com mais ou menos repulsa. A hora certa, para as que decidem fazer isso, não é uma ciência. E a vontade de ser mãe não obedece a nenhuma contagem de óvulos." (p.51-52) 

"Eu não tinha virado mãe para promover um estilo de vida, ou uma maneira de ter filhos, muito menos minhas duas meninas. Não saberia dizer por que, afinal, insisti tanto na maternidade. Por que nunca desisti de verdade, por que não inventei um jeito de viver sem filhos que me satisfizesse. Mesmo depois de elas estarem maiores, já completamente envolvida, com a vida de antes parecendo cada vez mais distante, não soube dizer." (p. 165)